quinta-feira, 30 de abril de 2009

A Vocação Humana: uma Abordagem
Antropológica e Filosófica

O trabalho de acompanhamento de jovens em suas escolhas vocacionais revelou que, a despeito do acesso a informações e processos de autoconhecimento, eles encontravam-se inseguros e insatisfeitos diante de suas opções profissionais. Tornou-se evidente a necessidade de compreender esta dificuldade de escolha entre os jovens e de buscar possibilidades de enfrentá-la através do processo de Orientação Vocacional.

1. Escolha profissional: dificuldades atuais e perspectivas

“...Com Deus existindo, tudo dá esperança:

sempre o milagre é possível, o mundo se resolve.

Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem,

e a vida é burra.”

(João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas, p. 48).

O momento da opção profissional tem se revelado como dotado de uma crescente dificuldade de escolha entre os jovens, constatada por especialistas em Orientação Vocacional, por pesquisas acadêmicas e pela grande imprensa.

Nos resultados de uma pesquisa realizada em 1992, sob coordenação da Profª. Drª. Maria de Lourdes Ramos da Silva, com alunos de graduação da Universidade de São Paulo apurou-se que “acentua-se a significativa porcentagem de alunos dos últimos anos que, se lhes fosse possível voltar novamente ao momento do vestibular, não escolheriam novamente o mesmo curso”. (Silva 1992, p. 99). A evasão de cursos universitários tem aumentado (quase metade dos alunos que entram na faculdade a cada ano no Brasil desistem do curso — cf. Revista Veja de 20/08/97) gerando prejuízo não apenas pessoal; mas, também, social afetando especialmente as instituições públicas, cujos recursos acabam por não ser adequadamente aproveitados. A causa desta evasão, certamente, não está na falta de informações ou de opções. O problema reside na incapacidade de decidir-se, de posicionar-se e, principalmente, na falta de critérios claros para tomar tais decisões.

A sociedade contemporânea, em grande parte, revela muita insegurança e incerteza quanto a valores: não há pontos de referência estáveis. Isto gera crise e confusão, tornando muito difícil para o homem atual identificar, em última instância, “o que vale a pena” e dedicar-se a isto; o afastamento das questões mais essenciais como o porquê da existência, um sentido ou causa à qual entregar a vida, gera esquecimento ou inexistência de critérios para orientar e sustentar decisões ou ações: “a modernidade destruiu a metafísica do ser e terminou autodestruindo a metafísica do sujeito. Resta uma débil ontologia na qual a realidade é substituída por sua representação. (...) Diante do vácuo do simples rechaço, a educação precisa ‘encontrar o fundamento’ tanto para uma compreensão da realidade quanto para orientar e justificar as nossas próprias ações.” (Garcia Hoz 1988, p. 119).

A dificuldade do homem contemporâneo de tomar consciência de si mesmo, de posicionar-se diante da realidade e a experiência freqüente de indecisão, são conseqüências de uma mentalidade que, negligenciando a necessidade deste fundamento, não favorece a descoberta de valores, nem um autêntico desenvolvimento humano. Não havendo uma clara hierarquia de valores, a postura assumida diante de situações que exigem soluções imediatas é a de relatividade, sem aprofundamento das razões das escolhas ou atitudes a serem assumidas.

À confusão de valores, soma-se a instabilidade da economia e do mercado de trabalho. A forma atual de organização do trabalho, sempre mais competitiva e em rápida transformação, tem exigido definição profissional cada vez mais precoce e, ao mesmo tempo, oferecido uma crescente disponibilidade de mão de obra. Para os jovens, cada vez mais novos ao serem solicitados a uma definição neste universo profissional, é necessário oferecer algo que transcenda as perspectivas instáveis e dramáticas do mercado de trabalho. Esta urgência vem sendo captada por educadores que apontam a necessidade de educar para o mundo do trabalho e não apenas para o mercado de trabalho. “Deve-se formar para o mundo do trabalho ou para o mercado de trabalho? Formar para o mundo do trabalho significa capacitar o educando a viver de forma cooperativa e útil na sociedade em que se insere; já formar para o mercado de trabalho é buscar fornecer mão-de-obra exigida pelo processo produtivo.” (Silva 1998, p. 115). Ao realizar a escolha profissional dentro deste contexto dinâmico e instável é necessário considerar não estritamente a profissão, mas concebê-la dentro de uma dimensão mais ampla e, ao mesmo tempo essencial, que é a da vocação, possibilitando transcender o nível ocupacional inclusive para poder incluí-lo ou transformá-lo.

É necessário que, ao realizar uma opção tão fundamental como a vocacional que, em princípio envolve toda a vida, o jovem possa ser convidado a aproximar-se, a perguntar-se sobre o sentido e finalidade de seu existir. Às questões normalmente colocadas como ‘o que gosto de fazer?’, ‘o que me dá prazer realizar?’, ‘o que sei fazer?’, ‘com qual profissão me darei bem na vida?’, devem ser acrescentadas: ‘a que sou chamado?’, ‘que sentido pode haver no trabalho que desejo realizar?’, ‘qual a finalidade do meu existir?’. Assim, no processo de orientação vocacional, além das dimensões psico-sociológicas, devem ser igualmente consideradas as dimensões antropológica e filosófica, que são fundamentais para o entendimento da vocação humana.

Considerar uma questão do ponto de vista filosófico significa buscar a verdade sobre ela, exige uma preocupação com o todo e não apenas com sua aplicação, seu uso imediato. Nessa perspectiva, para apreender o que há de essencial acerca da vocação do homem deve-se partir da grande interrogativa sobre o ser do homem, de suas características idiossincráticas. Desta forma, partindo da concepção de pessoa - segundo os autores contemporâneos Josef Pieper, Viktor Frankl, Luigi Giussani -, de algumas categorias que apresentem tanto as potencialidades especificamente humanas quanto a expressão delas no relacionamento com a realidade, pode-se chegar a uma compreensão mais ampla da vocação humana - a partir também de filósofos contemporâneos como Julían Marías e Alfonso Lopez Quintás -, de forma a oferecer aos jovens subsídios para realizar uma escolha e um caminho vocacional mais humanos.

Sílvia Regina Rocha Brandão
Fac. de Artes S. Marcelina (S. Paulo)

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